O Coração do Homem - O Medo de Perder [1]


Nota:
Com base em Génesis 26.7-9, abordarei 4 aspectos do coração humano em 4 artigos. Sendo este o primeiro.

7 E perguntando-lhe os homens daquele lugar acerca de sua mulher, disse: É minha irmã; porque temia dizer: É minha mulher; para que porventura (dizia ele) não me matem os homens daquele lugar por amor de Rebeca; porque era formosa à vista. 9 Então chamou Abimeleque a Isaque, e disse: Eis que na verdade é tua mulher; como pois disseste: É minha irmã? E disse-lhe Isaque: Porque eu dizia: Para que eu porventura não morra por causa dela. Gên 26:7-9

Pensemos:
Um homem como Isaque que recebe tais promessas de Deus; Um homem que recebe orientação de Deus para não ir a um determinado lugar, como pode temer por sua própria vida ?
A própria existência dele era um milagre, isso para não dizer que Deus o poupou, aquando da obediência a Deus de seu pai Abraão, quando o próprio Deus diz: "Dá-me o teu filho"
Isaque, lembrar-se-ia perfeitamente daquelas palavras: "Onde está o cordeiro" (Gn 22.7).
E a resposta: "Deus proverá." (Gen 22.8)
Não tinha ele chegado até ali, porque Deus cuidara dele?
Desde criança, Isaque aprendeu a depender do Deus que provê. Mas aqui ...


O CORAÇÃO DO HOMEM É CHEIO DE MEDOS
Isaque tinha medo de perder a vida, assim como provavelmente nós, temos medo de perder algo. Talvez:
- Pessoas que tanto amamos e que amam-nos
- Bens que fazem-nos tanta falta
- Virtudes/ Dons/ Atributos que fazem-nos sentir úteis
- Estatuto/ Reputação (moral, espiritual, eclesiástica) que nos dão alguma importância
- “Verdades” que temos como certas que nos fazem sentir seguros

Em relação a este medo, destaco 5 coisas:

1.1. O medo atrapalha a confiança em Deus
Havia Isaque esquecido que o encontro entre o mordomo Eliezer e Rebeca, tinha sido um verdadeiro milagre de Deus? (Gn 24.1-67)
Tenho a certeza que ele considerava a esposa como um plano da parte de Deus para sua vida. Também por isso mesmo temia perdê-la. Este medo de perdê-la, sem que talvez ele se apercebesse, estaria roubando-lhe pouco a pouco a confiança plena, total em Deus.
O medo atrapalha a fé. A menos que a fé prevaleça e vença este medo, não é possível fazer uma progressão na carreira espiritual. Isto é uma verdade bíblica.
30 Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me! 31 E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste? Mt 14.30,31
Porque preciso de fé, se as coisas são claras, pacíficas, certas, normais ?


1.2. O medo é muitas vezes justificado pela normalidade
O que é de facto aceite como normal para a maioria das pessoas nem sempre deveria ser traduzido como normal para aquele que conhece a Deus.
Há muitos momentos em nossa vida que justificamos o nosso medo do futuro, das perdas possíveis, como algo natural, normal. Ou seja ...
  • "É normal estar assim"
  • "É normal sentir-me assim"
  • "É normal ter medo de ..."

Paulo afirma, que diante de uma tempestade, até da vida desesperou:
"Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia, pois que fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos suportar, de modo tal que até da vida desesperamos."  (II Cor 1:8)

Onde está o homem que afirmou:
"Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor. (Flp 1:23) ?

Podemos olhar para Pedro diante do vento forte (Mt 14.30,31) e dizer: “É normal que ele sentisse medo”. Claro que sim! Quem não sentir-se-ia com medo?
Repare que Jesus não evidencia o vento, mas sim a falta de fé. Porque quando existe fé, até os ventos acalmam. Jesus demonstra isso, acalmando-os.
Neste contexto o objetivo maior não é tentar descobrir se existe alguém que nunca sentiu medo pois com certeza esta pessoa não existe. Até o grande Hitler, que matou milhões de pessoas, que era uma assassino implacável, diz-se que temia ter ascendência judaica.
O objetivo final a que me proponho é tentar descobrir o que o medo faz connosco e se é justificável à luz da revelação que temos de Deus.
“Há coisas que não podem ser feitas nem encaradas como normais sob a justificativa do medo”
Tomo como exemplo pessoas que justificam os ciumes doentios, como uma forma de proteção e medo de perderem a pessoa amada.
Eu não posso fechar a minha esposa em casa porque amo-a muito e temo perdê-la e receie que alguém a cobice. Não quero que isso aconteça, mas estou certo que ninguém entenderia a minha posição, mesmo que  justificasse que faço isso por causa do medo que tenho de a perder e do muito amor que a tenho.

Deus sabe, que o homem natural claramente ou naturalmente busca e receia perder determinadas coisas, porém não admite o mesmo tipo de comportamento em seus filhos que à partida deveriam confiar n'Ele, como o Provedor de todas os bens terrenos e espirituais.
31 Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? 32 (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; (Mat 6:31,32)


1.3. O medo somente pode ser vencido pelo confronto
Não vejo outra forma de vencer os medos ocultos em nosso coração.

Lembro-me de pessoas que tinham medo de viajarem de avião e necessitavam fazê-lo por questões várias e afim de vencerem este medo, foram convidadas por uma companhia aérea, a aceitarem o desafio de andar de avião. Conclusão: Não pode-se vencer o medo do ar em terra. Entende?

Em Abraão isso é demonstrado diante da possível perda de Isaque no monte Moriá. Porque Deus pede aquilo que ele tanto ama e que é detentor de exclusividade em seu coração?
Talvez exatamente por isso mesmo.
E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi. (Gên 22:2)

Será que necessitamos de um versículo dizendo como estaria o coração do pai Abraão subindo o monte Moriá? É necessário descrever quanta tensão, emoção haveria em tal coração?
Ele foi confrontado com aquilo que mais temia e em quem tinha sua maior esperança: O filho e sua preste perda. Perder o filho naquela hora, significaria todo um futuro e vida de esperança destruída.
Abraão não deveria esquecer-se de algo :
  • Foi Deus que chamou Abraão de Ur dos caldeus
  • Foi Deus que prometeu que sua descendência seria enorme
  • Foi Deus que prometeu um filho
  • Foi Deus que abriu o ventre amortecido de Sara

Logo, o filho, ele, sua família pertenciam a Deus

Mas não era algo normal, Abraão estar temoroso neste momento? Claro que sim! 
Mas agora, Deus estava-o confrontado com a possibilidade da perda daquilo que ele mais temia.
Há um enorme receio de um dia sermos confrontados com a possibilidade de perda daquilo que consideramos o objeto maior do nosso amor.

Se uma pessoa é assaltada e o assaltante começa a pedir que passemos-lhe os pertences, é provável que nos lembremos de algo que esperamos que ele não peça ou nos tire.
Se ele pede, exatamente aquilo que mais tememos dar, iremos mesmo estando em situação de desvantagem, negociar com o assaltante. Negociar com o assaltante é algo inusitante, no entanto tentaremos fazê-lo.
Porque tentaremos negociar com Deus, se Ele sabe exatamente o que sentimos e tememos?

Desejaríamos muito, eu também, que por um ato miraculoso, com algumas orações e talvez jejuns, determinadas coisas, medos, receios, temores, fossem vencidos em nossas vidas. Mas duvido que aconteça assim. Então de que forma o confronto ajudar-nos-à ? 

Exemplos de confrontos:
Como podemos vencer o egoísmo?
Exercendo a partilha, praticando a misericórdia. O egoísmo não resolve-se com orações.

Como podemos vencer a preguiça?
Trabalhando. A preguiça não resolve-se com orações.

Como podemos vencer a falta de paciência?
Pela tribulação. A paciência não advém com orações.
É a tribulação o remédio para combater a nossa deficiência de falta de paciência.
“... sabendo que a tribulação produz a paciência,...” (Rom 5:3)
Jamais esperamos adquirir paciência desta forma, mas é o único meio de a possuir.

Convém perceber que existe a necessidade de um confronto de opostos, afim de alcançarmos o equilíbrio conveniente à fé.
Nenhum lutador consegue saber se é mais forte que o inimigo enquanto não o confrontar.
Aquilo que pode levar um lutador à morte, pode também o elevar a campeão.
O dia que um lutador mais teme, pode ser o dia que ele mais recordar-se-à. 
É exatamente o que mais tememos, o remédio, a cura para o nosso problema.

Pensemos em Jonas. Deus o escolhe para ir a Ninive, a cidade mal amada de seu coração. Porquê?
Porque Deus pretende fazer-lhe a vida difícil? Não!
Porque Deus queria um confronto direto entre o coração de um homem irado com quem ele odiava. Seria um frente-a-frente, que conforme sua atitude ele seria livre ou não de tal sentimento.
É neste frente-a-frente que podemos perceber determinadas coisas que estão guardadas em nosso coração e prejudica-nos.


1.4. O medo leva-nos a comportamentos invulgares:
Isso acontece quando pensamos que aquilo que mais amamos é a base da nossa sobrevivência e luta.
A luta e o trabalho árduo de Jacó por Raquel mostra exatamente isto. Nós sempre estamos dispostos a lutar por aquilo que é prioritário à nossa sobrevivência. Jacó investiu 14 anos por Raquel. 
A lição a retirar daqui não é que não podemos ter coisas pelas quais valha a pena lutar; Que não podemos ter coisas que dê-nos forças para continuar. Nada disso!
Mas sim, que nada pode ser a causa primeira da nossa existência, a menos que esta causa seja realmente Deus. Jacó só percebeu isso quando lutou com anjo do Senhor, Deus toca-lhe a coxa e muda-lhe o nome.
Reparemos que é Raquel que acaba por ser a mulher que traz-lhe mais desgostos.
Nem parece uma mulher totalmente convertida ao Deus de Israel, tendo em conta que rouba os ídolos de seu pai Labão. Também é a primeira que morre. É por ela que Jacó luta incansavelmente.


1.5. O medo necessita ser confessado:
Nossos medos, assim como nossas solicitudes necessitam de ser levadas a Deus em oração. Porquê? Deus não as conhece? Deus não as sabe? Certamente que sim!
No entanto o medo, a ansiedade funcionam como carrascos, violentadores em nossa vida e alma.
Tanto o medo como a ansiedade trata-nos mal, subjuga-nos e necessitamos de remetê-los a Deus, antes que seja tarde:
"Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós."  (I Pd 5:7)

Vejamos como o “carrasco medo” de Isaque tratou-o mal. Fez com que ele criasse a oportunidade para que a pessoa que mais amava fosse entregue a outro. Irónico? Impensável? Não! É isso que o medo faz connosco.

Pense num cão quando gosta de um osso, enterra-o exatamente para depois comê-lo. E pensemos nós: Como é que ele suja aquilo que depois vai comer? Ele não se importa com isso, ele quer é assegurar o osso. O medo de perder produz este efeito de sujidade naquilo que amamos.

Porque tantas crianças tornam-se mimadas? Porque os pais os amam muito? Não!
Porque os pais não percebem que os filhos que tanto amam e não querem perder, estão ficando sujos com os mimos.

Conclusão:
Levar os nossos sentimentos a Deus, é pedir que os mesmos sejam confrontados, desafiados, esmagados diante d'Ele. Isso é algo impróprio, inconcebível e incabível a um coração não trabalhado e forjado pelo Espírito.

Recapitulando:
  • O medo atrapalha a confiança em Deus
  • O medo é muitas vezes justificado pela normalidade
  • O medo só pode ser vencido pelo confronto
  • O medo leva-nos a comportamentos invulgares
  • O medo necessita ser confessado


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